Prefácio

Todos os contextos de mudança são gerados nos impasses produzidos pelo esgotamento de modelos obsoletos e é muitas vezes nestes momentos que se fazem grandes avanços no conhecimento, nos processos e nas práticas em que assenta a vida das pessoas.
Se é certo que não desejávamos ter problemas e dificuldades, outra atitude não se compreenderia que não a de nos mobilizarmos para os superar.
Depois de toda uma história em que dependeram essencialmente de si próprias, as comunidades locais passaram a ser lugares de representação de macro-estruturas políticas, económicas, sociais e mesmo culturais, sendo assim os eixos estruturais e as etapas evolutivas do seu desenvolvimento crescentemente determinados por factores exógenos.
Com a crise dos actuais modelos económico e social e com o impasse verificado ao nível daquelas super-estruturas, as comunidades locais vêem-se na contingência de se voltarem de novo para dentro de si mesmas, procurando nas próprias energias as alternativas para a construção do seu futuro.
As comunidades locais precisam de viver mais das próprias forças, restabelecendo internamente os sistemas que foram desagregados e tornados dependentes das estruturas externas. Consolidar a própria identidade e restabelecer um maior grau de autonomia será, aliás, a melhor forma de uma comunidade se manter activa e reforçar a sua competitividade no quadro geral. 

Cada tempo tem as suas crises e os seus questionamentos. O mundo actual assiste aos ajustamentos provocados pela globalização, com enormes consequências económicas e sociais e com a emergência de um poder financeiro com um crescente peso nas opções políticas.
O Ocidente, afectado pelo crescimento de economias emergentes mais competitivas, sofre hoje as consequências deste processo. Os países europeus sentem colocado em cheque o seu modelo social, o que levanta muitas dúvidas sobre o futuro.
No caso português, estas dificuldades são agravadas pela debilidade da economia e pelo endividamento excessivo. Actualmente, por necessidades imperativas de curto prazo, debatem-se formas de tornar o país sustentável, variando as opiniões entre a defesa da austeridade pela diminuição da providência do estado e a reivindicação do estímulo à actividade económica, como forma de manter as suas funções sociais.
Este debate é fortemente ideológico e facilmente cai no puro antagonismo, animado pelas paixões que a confrontação tipicamente estimula. E nessa medida, contribui para a desvalorização de aspectos do funcionamento da sociedade menos mediáticos, mas também eles muito relevantes.
Assim, entre tantas e valiosas conquistas da democracia portuguesa, o território e as suas políticas tornaram-se visivelmente um parente pobre, traduzindo em desordenamento, irracionalidade e desperdício aquela negligência do debate político.
Não se faz aqui o apelo para que se suprima o debate ideológico, bem entendido. Os direitos políticos e a distribuição da riqueza não são valores conflituantes com o ordenamento e a qualificação do território. Pelo contrário, saem beneficiados quer pelo usufruto das valências de um espaço público mais qualificado, quer pelas poupanças que práticas mais racionais podem permitir.
Nas últimas décadas, a sociedade portuguesa adoptou um novo estilo de vida, baseado na mobilidade extraordinária que lhe dava o automóvel. Mas não foi capaz de integrar este novo elemento sem prejudicar severamente sistemas de que depende o seu equilíbrio. Investiu pesadamente em veículos, estradas e combustíveis, dos quais se tornou dependente, e reorganizou o território exclusivamente em função desta nova mobilidade, ao mesmo tempo entupindo e esvaziando os centros urbanos e produzindo uma enorme expansão da área urbanizada.
Quanto custa manter uma área muito superior à que seria necessária, levando-lhe estradas, electricidade, água, segurança e outros bens e serviços? Quanto custa uma sociedade em que mais de metade das pessoas se desloca diariamente de automóvel? Que custos sociais provêm da centralização do consumo em meia-dúzia de grandes retalhistas que depauperam as economias locais e esvaziam as ruas das cidades? Que prejuízos políticos, económicos, sociais e culturais tem uma sociedade territorialmente fragmentada e suburbanizada?
São questões nacionais, mas que cada comunidade tem também à sua porta. E Alenquer é disso um perfeito exemplo.
Cada tempo tem as suas crises e os seus questionamentos. Mas preocupante, verdadeiramente, é a negligência e a ausência de respostas.