terça-feira, 4 de novembro de 2014

O território enquanto bem económico


A Câmara de Alenquer decidiu isentar novos empreendimentos turísticos de taxas de construção. Na habitação, a redução de 50% nestas taxas, em vigor para jovens com idade até 30 anos, passa a ter como limite os 35 anos. No dia em que passa exactamente um ano sobre a apresentação do plano de reordenamento nesta câmara, o assunto torna oportuna uma análise do território enquanto bem económico.

Os bens económicos têm um valor de troca que resulta da lei da oferta e da procura. Se a oferta se mantém e a procura desce, aquele valor baixa; e pode baixar a um ponto em que um bem deixe de ter viabilidade enquanto negócio. Seja para aumentar a rentabilidade de um bem ou para evitar a sua inviabilidade económica, podem seguir-se essencialmente dois caminhos: tornar esse bem mais barato ou torná-lo melhor.
Torná-lo mais barato pode aumentar as vendas sem que porventura perca qualidades. Melhorar um bem significa certamente investir mais nele, seja na sua utilidade, na sua imagem ou no seu processo de comercialização.
O território é um bem económico detido pelos poderes públicos. Note-se que território não é sinónimo de terreno; os terrenos podem ser privados. O termo território, no sentido mais estrito, refere-se a áreas que são definidas por uma jurisdição, e assim os seus titulares são os titulares dessa jurisdição. 
As câmaras municipais cobram impostos sobre a transação (o IMT, fixado pelas Finanças) e a propriedade (IMI, fixado pelas autarquias dentro de limites definidos pelas Finanças) e taxas sobre a construção e a utilização de bens imóveis privados que se encontram no seu território. O território municipal é de longe a maior fonte de receita própria das câmaras e, nos últimos anos, é sabido que esta receita baixou por via da queda na actividade. Isto é, baixou a procura do bem território e ele perdeu rentabilidade, ficando em causa a viabilidade do «negócio» municipal. Houve pois que compensar a receita perdida, nomeadamente com um grande aumento do IMI.
Este negócio tem, num certo sentido, uma inércia elevada: habitantes e empresas já instalados não mudam de lugar com a mesma facilidade com que se escolhe mudar de marca de shampôo, pois têm (em graus variáveis) razões de ordem económica e razões de ordem extra-económica para permanecerem onde estão. Já noutro sentido, o da captação de actividade nova, a inércia é apenas uma parte; outra parte importante são as qualidades do território que tenham potencial económico, e sobretudo as que o tornem diferenciado.
Perante a necessidade de responder a uma baixa da receita, o caminho mais fácil e imediato é fazer duas coisas: aumentar os impostos, tirando partido daquela inércia nos «clientes» já adquiridos, e descer as taxas, tornando o bem mais barato para novos «clientes», ou seja, procurando diferenciá-lo pelo preço. Esta opção pode até ser acertada a título excepcional, mas é bom ter presente que se trata de um passo irrepetível numa via, a prazo, insustentável. Não compensará a um investidor a isenção das taxas se depois tiver de pagar impostos altos; a pressão da baixa do valor real ocorrerá em ambas as frentes, ameaçando todo o negócio.
Há um outro caminho, mais exigente e feito de demoradas etapas, mas que se deve trilhar sempre, continuamente, porque esse é o caminho bom e sustentável: melhorar o bem, ou seja, investir na qualificação do território. Aumentar as suas utilidades, melhorar a sua imagem e vendê-lo melhor. Oferecendo mais qualidade pode, então sim, cobrar-se impostos altos sem receio de perder ocupantes e sem ter de se dar isenções aos que vierem.
Podemos ter então um Urbanismo de ocasião, focado nos preços baixos ou um Urbanismo de inovação, focado na qualidade.

Resta saber que passos dar no caminho da qualificação do território.
Em linhas gerais, o caminho foi durante demasiado tempo o do betão, inteiramente dedicado à mobilidade rodoviária, o que nos trouxe a era das auto-estradas, dos viadutos, das rotundas, das circulares, dos hipermercados e dos bairros suburbanos. Hoje é forçosamente o tempo de responder às externalidades negativas e de combater os erros e os excessos desse período. É tempo de refazer os tecidos sociais e as economias locais; é tempo valorizar o património, recuperar edifícios e reduzir o espaço urbanizado; é tempo de defender a natureza e a paisagem; é tempo de apostar em alternativas na mobilidade e reduzir o consumo de energia.
Para além destas linhas gerais, poderá haver a especialização dos territórios em alguma qualidade que tenham com maior potencial. Mas qualquer que seja ela, aqueles reequilíbrios serão sempre vantajosos. Sendo o objectivo promover o turismo, mais se torna necessário um território que valha a pena visitar, não se deixando de reconhecer a importância das outras políticas do sector.
A Câmara de Alenquer faz o que provavelmente tem de fazer, ciente que está de que o turismo local tarda em frutificar. Mas é bom notar que as muitas notícias que temos de medidas deste tipo, que sempre as tratam como incentivo às empresas e aos jovens, muitas vezes não são mais que um assumir (selectivo) da queda no valor económico do território, com um ajustamento do seu preço à conjuntura económica e à concorrência. Valesse ele mais e não seria dado.
Para aumentar (ou defender) o valor do território e a sua rentabilidade de forma sustentada não chega a criatividade da gestão: é mesmo preciso fazer um território melhor.