A sociedade suburbana portuguesa: a insustentabilidade da democracia do curto-prazo

A suburbanização é um fenómeno global, decorrente do aumento da população, do crescimento económico e do desenvolvimento dos transportes, em especial do automóvel.
Em Portugal, a população cresceu quase sempre nos últimos 300 anos, o que produziu uma expansão urbana permanente e uma cultura que a tinha como dado adquirido. Ao pensar-se no futuro de uma qualquer povoação, pensava-se para onde se expandiria ela.


Nas últimas décadas do século XX, multiplicaram-se os territórios suburbanos, afastados dos centros tradicionais, que o automóvel tornava acessíveis nos movimentos pendulares do ciclo diário. De tal forma foi massiva esta procura das periferias que, além de grandes pólos habitacionais, se tornaram muitas delas novos centros económicos e sociais, novas imagens de modernidade, pelo progresso que significavam.


O automóvel revolucionou a vida das pessoas, com o poder e a liberdade extraordinários que lhes ofereceu. Para além da sua grande utilidade, tornou-se símbolo de importância social, não só para as pessoas mas para os novos territórios urbanizados, concebidos para o automobilista. Símbolo que cativou as prioridades políticas, que acompanharam este novo entusiasmo com grandes obras, e também os agentes privados, dos construtores aos grandes retalhistas. O país inundou-se de auto-estradas, vias rápidas e negócios de beira de estrada.


Foi uma espiral de suburbanização, sustentada no automóvel, no crescimento da economia, no progresso material das pessoas, no crescimento demográfico e no crédito. Assim, é natural que este fenómeno fosse visto como sinal de progresso, pois era sinal de muitas coisas boas. E interessante para as autarquias periféricas dos grandes centros, quer financeira quer politicamente.
Ao fim de mais de 2000 anos, a velha ágora da antiguidade clássica, a praça que centralizava a vida urbana, era substituída pela rotunda, o novo centro simbólico da sociedade suburbana.


Mas apesar das incontornáveis vantagens do automóvel e dos confortos da vida suburbana, a sociedade sofreu pesados impactes negativos:

  • Nos centros tradicionais, o espaço público foi consumido pelo trânsito e estacionamento de automóveis, tornando-os mais ruidosos e poluídos, menos confortáveis e menos seguros para os peões.
  • Os laços comunitários enfraqueceram, pois as pessoas passaram a cruzar-se menos, por estarem menos concentradas nos centros e deixarem de os percorrer a pé. Também porque passaram a partilhar menos referências comuns, por viverem mais dispersas e afastadas das referências tradicionais mais polarizadoras.
  • Verificou-se o aumento das doenças associadas ao sedentarismo, conhecido como a «doença do século». Ao mesmo tempo que o esforço físico diminuía no trabalho, diminuía também nas deslocações. As pessoas adoptavam assim uma forma de vida que não contemplava a carga física para a qual os seus corpos estão programados.
  • A grande expansão de área urbanizada originou um grande desperdício de energia no aumento das distâncias entre casa e trabalho, feita na maioria dos casos em transporte individual.
  • A cultura utilitária e mercantilista do território tinha um critério exclusivamente económico no urbanismo e na arquitectura, produzindo territórios de má qualidade estética, funcional e ambiental.
  • O investimento público perdeu eficiência, ao ter de se dividir por uma área substancialmente maior. Quer as necessidades reais quer a imagem simbólica dos novos territórios urbanizados absorviam os recursos públicos, que assim diminuíam para os centros urbanos, agravando a sua degradação e perda de atractividade.
  • Por fim, agravou-se a assimetria na ocupação do território nacional, desertificando-se o interior e massificando-se as áreas metropolitanas.

Acrescente-se que o automóvel é tido por ser um dos meios de transporte menos democráticos. Para além de ser o maior consumidor de espaço público – equivalendo-se a dezenas de peões – é acessível apenas a uma parte das pessoas. Isto faz com que seja politicamente pouco aceitável que seja o estado a promover directa e indirectamente a sua dependência no quotidiano das pessoas.


Podia pensar-se, mesmo reconhecendo todos estes problemas, que a cultura suburbana era a forma de alimentar uma economia em crescimento. Mas como hoje é visível, fazia funcionar uma economia falaciosa e insustentável, baseada nos fundos europeus, no crédito e na privatização do estado, que pelo contrário tinha de sustentar os enormes desperdícios decorrentes de uma expansão urbana desordenada e largamente desnecessária.


Toda esta forma de vida está hoje colocada em causa, porque se esgotaram os seus pressupostos: a população envelheceu e não tardará a diminuir; a indústria deslocalizou-se e a construção estagnou; o estado está hoje comprometido com pesadas despesas sociais; os combustíveis sobem consecutivamente de preço.


Agora, a ‘bolha’ rebentou e não há mais recursos para sustentar esta forma de vida. Com a economia enfraquecida e a sociedade e o estado endividados, qual o melhor caminho para um equilíbrio sustentável económica, social e ambientalmente?
O simples bom senso diz-nos que se temos um problema, devemos mudar os hábitos e as práticas que o originam, independentemente de o futuro poder trazer alguma solução inovadora.
Em especial no que toca ao território, isto significa ter como directrizes políticas reduzir a avassaladora dependência do automóvel e promover o recentramento das comunidades, pela reabilitação do espaço público, dando prioridade às pessoas, favorecendo os negócios de proximidade, como o comércio tradicional, e diminuindo os desperdícios de energia e investimento público.


Para quem cresceu na sociedade suburbana, pode ser difícil de aceitar esta mudança, pois trata-se de um golpe nas crenças adquiridas, na mentalidade, nos hábitos e assim na própria identidade.
Mudar mentalidades parte de mudanças de hábitos simples, como deixar de ir de carro até à porta de tudo. E muitos centros urbanos já compreenderam que mudar hábitos como este, mais que um prejuízo para os que o têm, pode ser um grande benefício para as comunidades.


Estudo «25 Anos de Portugal Europeu» (1)
(Excertos do capítulo final «Roteiros», dedicado ao futuro)

«A evolução dos modos de produção, de consumo e de mobilidade registou uma trajetória de forte pressão sobre a sustentabilidade.
«Em primeiro lugar, encontramos um défice de ordenamento real e pragmático do território, com as caraterísticas do crescimento urbano a configurarem um poderoso travão dos ganhos de sustentabilidade ambiental, económica e social. A expansão urbana foi marcada por um processo casuístico, centrado em edificado novo e raramente apoiado em planeamento de redes de infraestruturas e de serviços, gerando mais ‘casas’ do que ‘habitats’.
«Em segundo lugar, encontramos um défice crescente de racionalidade, de poupança e de eficiência energética.
«Para este défice contribuiu, sobretudo, um crescimento autónomo de infraestruturas e serviços de transporte, sem diálogo real com o ordenamento do território e com a promoção da competitividade das empresas. Esta situação gerou custos graves de sustentabilidade, arrastando um forte primado do transporte individual de pessoas e do transporte rodoviário de mercadorias que têm implicado a persistência de uma elevada intensidade energética do funcionamento da economia portuguesa, em contraste com os parceiros europeus.
«Portugal mantém uma forte dependência do petróleo, situação para a qual contribui o consumo e a menor diversidade energética do sector dos transportes.»
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«As famílias portuguesas aderiram aos novos formatos comerciais em detrimento do comércio tradicional de proximidade, como mercea-rias e drogarias.
«Os centros comerciais e as unidades comerciais de dimensão relevante cresceram de modo exponencial nas periferias das grandes cidades, contribuindo para um aumento das deslocações com recurso ao veículo automóvel.»
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«Necessidade de o país reduzir a intensidade energética e a exigência de mudanças significativas ao nível dos padrões de mobilidade e dos modos de consumo e de produção.
«Necessário um forte reforço das ações promovendo a eficiência, seja adotando tecnologias menos consumidoras de energia, seja alterando padrões e modos de vida.
«Deverão merecer particular atenção aqueles domínios que assumem maior relevância ao nível do consumo de energia, nomeadamente a mobilidade, a regeneração urbana e a habitação sustentável

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(1) A Fundação Francisco Manuel dos Santos dedica-se ao estudo da sociedade portuguesa e publicou em Maio de 2013 esta extensa análise à evolução do país desde a adesão à CEE. Coordenada por Augusto Mateus, esta edição apresenta e uma extensa colecção de dados estatísticos sobre temas como a população, a economia, as contas públicas e as infra-estruturas do país, comparando-os aos congéneres europeus.


«25 Anos de Portugal Europeu»
Instituto da Mobilidade e dos Transportes
Associação de Utentes dos Comboios de Portugal